quarta-feira, 26 de março de 2008

O BAILE DE MÁSCARAS















Mascarados no carnaval de Veneza



"Eu sou nuvem passageira, que com o vento se vai..."

(Nuvem Passageira - Hermes Aquino)


O carnaval mais antigo que lembro é o de 1976. Eu, minha mãe, meu pai e Marcus estávamos assistindo a um desfile de blocos. Era noite e a rua parecia "vermelha", por conta da iluminação, ou de alguma fumaça colorida que por ventura estivessem jogando no ar. De repente, o "Diabo" e o "monstro de Frankenstein" se aproximaram de mim e começaram a me pregar susto. Ao vê-los alí, tão próximos e "reais", com suas calças pantalona, comecei a chorar. Meus pais tentaram me acalmar, mas fiz tamanho escândalo que acabamos voltando para casa.
Quando somos crianças tudo o que experimentamos é "real". Não importa se é um sonho, uma fantasia, uma alucinação, o que quer que seja! Foi experimentado por nós, é real! Vivemos em uma espécie de Baile de Máscaras onde entre representar e ser, não existe muita diferença. Na verdade, a impressão que hoje tenho é de que quando temos menos de 5 anos, vivemos como que sob efeito de algum alucinógino, seja o LSD, a mescalina, a ayawaska...
Sendo assim, quando somos crianças, não relutamos em achar que o teto é um "chão" ao contrário e que no Japão, do outro lado do mundo, se vive de cabeça para baixo. Pensamos que o mundo é uma mera extensão de nossa cidade e que, basta andármos um pouco para chegármos em qualquer país.
Tudo para nós está vivo, somos animistas. O carro anda porque tem vida, como nós. Aliás, nessa época eu nunca conseguia lembrar como se entrava nos carros, às vezes pensava que era pela janela. As estátuas também são "vivas". Lembro que havia uma estátua de bronze sobre uma coluna, no meio da avenida Constatino Nery. Era uma musa, erguendo uma tocha. Eu achava que ela ficara cristalizada alí, pois em um tempo eróico, mítico, ela erguera aquela tocha e este momento glorioso, fora eternizado, com ela se transformando em estátua!
A época do baile de máscaras é rica em sonhos e imagens de conteúdo simbólico, como diria Jung. Lembro de um sonho que Marcus costumava contar. Ele caminhava por um deserto e avistava uma única árvore, ressecada, sem folhas, com rosto de mulher. Ele então se aproximava dela e perguntava:
_Quem é a senhora?
Ao que ela respondia em tom solene e sobrenatural:
_Sou a Mãe Árvore!

Eu também tive um sonho (ou foi um fato real, que foi engolfado por minha imaginação) muito interessante nesta época. Eu estava na casa de minha avó materna (na verdade, nunca estive na casa de minha avó! nem materna, nem paterna). Era uma casa de madeira, muito bem feitinha, bonita, de paredes pintadas de verde. Era noite e eu andava ansioso pela casa, esperando minha mãe chegar. Eu estava arrumado para sair. Às vezes me abaixava e ficava viajando nos diferentes tons de minha meia xadrez. Em determinado momento minha avó começou a falar com seu jeito de quase criança de cabocla grandalhona do interior:
_Vem cá, minha Bujáua (corruptela de meu apelido, Bujão)! Vem com a vovó, vem! Mãezinha logo vai chegar e levar o Celão pra passear! Vem com a vovó, vem!...
Mas eu continuava ansioso e olhava para a janela. Apenas via a noite e a noite envolvia a casa, como se a casa flutuasse no espaço sideral.
Na época em que tive este sonho (vamos chamá-lo assim), eu morava já no conjunto Eldorado. O Eldorado até hoje é uma espécie de cidadela encravado no meio do bairro da Chapada, tradicionalmente conhecido como Parque 10, devido a um antigo balaneário que lá existia, cujo nome era este. Entre as pessoas mais antigas, há quem chame de Parque 10 apenas um certo trecho do bairro, precisamente a parte onde era o balneário, próximo onde hoje é o Detran.
O Eldorado, antigamente, consistia no seguinte: nas primeiras três ruas, paralelas umas às outras, vinham algumas casinhas de tamanho econômico, de peredes geminadas, cobertas de azulejo, bem em moda nos anos 70. Esta seqüência de casas acabava em uma rua principal, que terminava em uma ladeira bifurcada. Do outro lado dessa rua, vinha uma seqüência de pavilhões de apartamentos numerados. Tinha a fileira A, a fileira B, a fileira C e a fileira D, sendo que parte da penúltima e a última ainda estavam em construção. Os pavilhões eram pintados de verde e azul clarinhos, sendo que os mais antigos já estavam com a pintura meio desbotada e suja. Depois da seqüência de pavilhões, vinha um parque de casinhas que, como minha mãe dizia, parecíam caixas de fósforo. Eram pequenos retângulos que, em blocos de três em três (ou seria quatro?...), tinham as paredes geminadas. Depois de você contar três (ou quatro) casas, vinha uma ruela que ligava à rua paralela. Para se delimitar o espaço entre as casas geminadas, foram feitos pequenos triângulos de concreto, de uns 30 graus, que descíam das paredes até à calçada.
Até a época em que morei no Eldorado, poucas ruas tinham asfalto. Depois do parque de casas, vinha uma imensa área desmatada, com chão de barro, que ficava lamacento quando chovia. Depois desta área, vinha o mato. Ainda lembro de um dia em que eu e Marcus andávamos com uma babá nesta área. Marcus viu um garotinho com um robozinho de brinquedo, que andava, movido á controle remoto. Ainda lembro do menino que devia ter seus quatro aninhos e andava também acompanhado pela babá. Era loiro e tinha os cabelos encaracolados como aquele personagem do Maurício de Souza, o Anjinho. Marcus encheu o saco de minha mãe para comprar um robozinho igual pra ele.
Mas nem só de brinquedos sofisticados vivem as crianças. Minha mãe sempre comprava para gente uns soldadinhos de borracha, ou plástico, bem vagabundinhos mesmo, mas que nos fazíam imaginar verdadeiras batalhas. Batalhas que se tornavam "quase reais", quando colocávamos nossos capacetes e empunhámos nossos revólveres de plástico, que fazíam tec-tec... Lembro que, uma vez, um amiguinho nosso, André (que era gorducho e um tanto convenido), foi brincar lá em casa e, para dar mais realismo a uma brincadeira de polícia, me lascou uma coronhocada com o revólver de brinquedo. Minha mãe quase bateu nele e durante um certo tempo ele não foi lá em casa.
Devo dizer também que André, que já tinha seus sete anos, preferia brincar com Marcus e não gostava muito de minha presença. Isso é regra na infância: a criança menor quer brincar com as mais velhas, mas estas a alijam. Esse detalhe fazia minha mãe gostar menos ainda de André. Porém, como toda criança, eu queria brincar, participar e em um certo dia, vivi meu primeiro dilema. Era hora do almoço e minha avó nos chamou para comer. Mas Marcus e André queríam continuar brincando. Eu fiquei na dúvida. Minha avó então me chamou para comer farofa com carne na caçarola, o que eu adorava. Escolhi então comer, mesmo com Marcus ficando com raiva de mim.
Porém, além das brincadeiras, havia o mundo mágico da TV. Eu e Marcus assistíamos todos os desenhos animados que passavam, os clássicos da Disney, da Warner, da United Arts e da Hanna Barbera: Pato Donald, Mickey, Pateta, Perna Longa e sua turma, os Flinkstones, Scoob Doo, Super Mouse (versão dos anos 50), Tom e Jerry e os heróis da Marvel, Hulk, Homem de Ferro e Homem Aranha. Havia ainda um desenho do Hércules. Isso sem esquecer a Pantera Cor de Rosa, o Pica-Pau e o Zé Colmeia (a versão mais antiga).
E até desnecessário citar que eu e Marcus adorávamos as séries e filmes americanos: Viagem ao Fundo Do Mar, Cyborg, A Mulher Biônica, Combate, As Panteras, James West, Bang-Bang, Daniel Boone, Chaparral, Brigada 8 e aquelas comédias antigas, como Guerra Sombra e Água Fresca, a Família Monstro, Jeanne É Um Gênio, A Feiticeira, etc...
Por outro lado, em nosso machismo elementar, nós detestávamos novela e implicávamos quando as empregadas as assistíam. Ficávamos na frente da TV fazendo careta só para tirar sarro das novelas. Lembro de algumas novelas ainda em preto e branco, e outras já coloridas. Lembro de Papai Coração, Anjo Mau e Locomotivas, que começou pouco antes de saírmos do Eldorado. Também recordo de uma vez que fomos à casa de um amigo de meu pai, Jorge Miwa e vimos, junto com Carolina e Cristina (filhas de Miwa) uma reportágem sobre um jogador de futebol que fazia um monte de gols (Pelé). Não esqueço de um "trágico" dia em que eu, Marcus, Carolina e Cristina estávamos assistindo desenho e Miwa e meu pai cheagram e mudaram de canal para ver um jogo de futebol. Assim mesmo, chegando e mudando sem dar satisfação para nós, as crianças. Aquela ainda não era uma época sensível para com a infância...
As coisas dos adultos são curiosas para as crianças. Lembro de uma noite, na casa do André, em que resolvemos, eu e Marcus, provar cerveja. Fizemos careta, achando amargo. Eu não entendia porque os adultos só gostavam de coisas "ruins", amargas, sem gosto, fumacentas (cigarro). Os adultos tinham mania de dizer que era bom tomar injeção, pois era para curar as doenças. Eu morria de medo de injeção, tomávamos às vezes no doutor Contente, outras vezes numa farmácia onde um farmacéutico com jeito de galã 70 (uns vinte e tantos anos, sorrisão bonito e barba, num estilo meio Che Guevara "aburguesado"), cujo o nome era o mesmo de meu pai, Edson, as aplicava. Porém, algumas coisas dos adultos eram legais, como Astrologia (detalhe, gostei tanto que hoje sou ástrologo). Ainda lembro das empregadas vendo o jornal e dizendo para mim e para Marcus:
_Teu signo é Balança! O teu é Peixe!
Foi precisamente nesta época, entre 1976 e o início de 1977, que comecei a me antenar para as músicas que tocavam no rádio. Tocava Goodbye Yellow Brick Road, de Elton John, direto. O clássico brega Não Se Vá, de Jane e Erondi, era a coqueluche do momento, assim como Soleado, de Daniel Santa Cruz Ensemble, que no Brasil ganhou uma versão gravada na voz do galã das novelas de Janete Clair, Francisco Cuoco. Aliás, eu sempre confundia Soleado com outro clássico da época, Tornerò, de I Santo California. Eu gostava demais de Nuvem Passageira, de Hermes Aquino e da então recém-lançada I Love To Love, de Tina Charles. Pouco antes de mudármos de casa, explodiu Stain Alive, dos BeeGees.
Foi também nesta época que aprendi a primeira lição de esparança de um ser humano: a de que o Sol vai abrir amarelo e radiante, o céu vai ficar azul e nós vamos poder cair na água! Lembro do dia em que fomos para o clube Grêmio Guanabara. Estavam lá Miwa e outros amigos de meu pai. Minha mãe teve dificuldades conosco, pois eu e Marcus tínhamos medo da fundura da piscina. As outras crianças, com aquelas boias de pôr nos braços, caçoavam da gente.
Depois, ouvimos a conhecida bozina do carrinho de sorvete! Todas as crianças correram para seus pais pedindo para comprar. Lembro de Carolina com os beiços lambuzados de sorvete de açaí, com o vento esvoaçando seus cabelos fininhos. O céu então se enchia de núvens de chuva, sem tirar a beleza deste dia, que se perdeu no provável ano de 1976.

Um comentário:

Ana Kaya disse...

ahhhhhhhh o carnaval que mais me lembro e gostei foi tipo uns 20 anos atrás em Olinda. Eu morava em Recife e Olinda era minha casa, não saia de lá, lugar de loucos, de muita folia e alegria e muita cachaça ahahahahah.
lembro de tomar o pau do indio, uns dois copos e depois só me lembro que estava do outro lado da cidade num bloco de afoxé ahahaha.
voltei num bloco de frevo até chegar ao ponto principal de Olinda, lá em cima na Sé. e encontrei um amigo de sao paulo sozinho, chamei ele pra confusão, mas perdi ele no meio de tanta gente e nem sei o que foi dele. só sei que minha noite foi ótima, dancei muito e encontrei varios amigos, até um antigo amor que foi a parte triste do carnaval pois ainda amava ele.
e lembro que numa festa num clube lá eu cheirei tanta loló que caí de boca no chão, quebrei um pedaço do dente, cortei os lábios e estava descalça, putz até os sapatos tiraram, eu desmaiei e muitas pessoas me levaram pra fora pra tomar ar. e mesmo toda depauperada, continuei a dançar até o sol raiar.
eita tempos bons.