domingo, 30 de março de 2008

O PEQUENO PRÍNCIPE


























"My name it's mean nothing, my fortune is less.
My future is shrouded in dark wilderness.
Sunshine is far away, clouds linger on.
Everything I possessed - Now they are gone, they are gone..."

(Solitude - Black Sabbath, Master of Reality - 1971)


A gravidez de minha mãe nos deixava felizes pela espectativa de ter um nenê na casa. Até então o único nenê que nós tínhamos para babar era Klarisse, minha prima. Ela nasceu em 76 e ainda lembro de quando a vimos pela primeira vez, quando tia Rosely e tio Elson ainda moravam no condomínio Cidade Jardim. Lembro de Ana, sua babá, então uma indinha de uns 12 anos, pedindo para que não fizéssemos barulho, para não acordar a bebê.
Porém, agora teríamos o nosso nenê e isso nos deixava radiantes. Só uma coisa cortava o clíma desta feliz espectativa... já nesta época sentíamos uma certa... tensão no ar. Essa tensão vinha tomando contornos claros desde um episódio que se deu tão logo nos mudamos para o Mucuripe. Estávamos no trânsito na avenida Constantino Nery. O céu estava fechado e ia chover. Um engarrafamento se formou próximo ao estádio Vivaldo Lima. Não demorou muito, um caminhão passou raspando no doginho, o suficiênte para acabar com o para-lama do carro. Como é de praxe, o cidadão não parou para prestar contas e seguiu em frente, sem ligar para o prejuízo e o risco que causara.
Meu pai começou a esbravejar. Minha mãe começou a falar também até que o inevitável aconteceu:

_Porra, Maria! Também não enche o saco! Eu tô tentando resolver as coisas e tu fica ai falando merda!...

Minha mãe começou então se queixou que ele nunca tinha paciência com ela e começou a chorar. E de fato era assim, meu pai sempre impaciênte, minha mãe sempre impertinente. Aquela tensão começava a nos afetar, pois já não era possível eles a esconderem de nós. Havia, evidentemente, uma "normalidade" cotidiana, mas sempre entremeada de pequenos e constantes aborrecimentos. Uma vez, fomos a um casamento e tivemos de pegar uma estrada que se enfiava no meio da floresta e era mal iluminada. A primeira queixa de meu pai já foi o suficiente para causar uma reação de minha mãe. Não chegaram a discutir, mas a tensão se instalou.
Lembro que nesta noite minha mãe usava um longo vestido azul marinho, com vincos e uns pontinhos brilhosos no peito. Por um momento viajei entre o azul noturno do vestido e a escuridão da própria noite, que parecia tomar a estrada, só iluminada pelos faróis do carro. Não sei bem que delírio foi esse, mas eu estava sozinho, flutuando sobre a escuridão, vendo as estrelas se aproximarem como pontinhos brancos. De repente, eu era um homem de 30 anos fugindo em meu automóvel, em uma estrada escura.
Por fim, chegamos ao local onde se dava o casamento e eu acordei de meu sonho, ou delírio. Uma mulher magra e pálida como a Olívia Palito, do Popeye, veio nos receber, vestida de noiva. Mal recordo da festa. Lembro apenas que era em um terreno gramado, onde havia uma casa de madeira. Lembro ainda que meus pais tiraram uma foto com os noivos. A noiva era como descrevi, o noivo tinha um tipo indígena, de cabelos longos, pretos e lisos, e vestia um paletó branco adaptado à moda dos anos 70, com calças pantalona.
A medida que a gravidez de minha mãe progredia, as coisas ficaram um pouco mais serenas. Lembro que uma manhã meu pai resolveu levar eu e Marcus no cinema. Foi a primeira vez que fomos no cinema. Assistimos ao Pequeno Príncipe, um filme infantil bem psicodélico, para variar. Também pudera, o filme é de 1967, auge do psicodelismo. Antes do filme passaram desenhos animados (lembro de Lupe Lebo) e o Canal 100 (noticiário futebolístico). Depois, como era obrigatório na época da Ditadura, o papel da Censura, librando o filme.
Os dias continuaram serenas até a manhã em que minha mãe sentiu dores e foi levada para o hospital. ainda lembro dela entrando no Dodge. Quando o bebê chegou, eu fiquei meio decepcionado. O achei tão feinho. Na verdade, ninguém havia me lembrado que os recém nascidos geralmente não são bonitos, têm "cara de joelho", como dizem. Ele recebeu o nome de Caio Júlio. O que contrariou minha vontade e de Marcus, que queríamos que ele se chamasse "fofinho". Coisa de criança. Lembro que inplicávamos com o nome de Caio:

_Caio! Que nome feio! Eu "caio"!... _ reclamávamos.

Fiquei ainda chocado ao ver a época em que curavam o umbigo do bebê, pois ele chorava muito e aquilo me parecia uma tortura. Cheguei a evitar olhá-lo, pois me agoniava vê-lo com o umbigo daquele jeito. Mas não demorou muito para ele ficar fofinho como eu e Marcus queríamos. Minha mãe então inventou uma musiquinha para niná-lo e eu viajava nos tons verde-azul-opalescentes de seus chocalhos e outros berimbelos.

Um comentário:

Ana Kaya disse...

Adorei o começo com a letra do Black Sabath, eu adoro as músicas antigas deles.
Bom gosto.
Não sei o que comentar pois nunca passei por isso, sou filha única.